Importante é preservar a memória dos lugares. OLHÃO é a minha Cidade.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

A Pesca em Olhão nos Finais do Século XVIII

 

Mapa - 1760

Em 1790, Constantino Botelho Lacerda Lobo (1754-1821) fez uma viagem ao Algarve para

 fazer algumas observações precisas para o tratado das pescarias de que me encarreguei, porque tendo assentado, que para este trabalho ser útil de viajar toda a Costa, e examinar o estado das nossas pescarias, e como estas variam segundo as diferentes estações, do ano em cada uma destas hei-de fazer algumas Jornadas àqueles lugares da Costa aonde se pescar a maior quantidade de peixe.

No início de dezembro desse ano, chega ao Logar de Olhão ou Aldeia de Olhão, que caracteriza assim:

É Olhão um desordenado ajuntamento de cabanas de pescadores, das quais ainda grande parte feitas de palha ou palhotas, que é a maior parte, e outras estão já edificadas de pedra e cal. Fica esta Aldeia nas margens setentrionais de um rio distante de Faro uma légua, que lhe fica ao Poente, e distante do mar meia légua que lhe fica ao Sul, e distante de Tavira três léguas, que lhe fica ao Nascente, e distante duas léguas do Serro de S. Miguel, que lhe fica ao Norte. Está situada sobre uma planície, que quase toda é banhada com as águas vivas das marés.

Tem Olhão 1133 fogos. As pessoas maiores são 2947; as menores 465; todos 3412

Ausentes 800.

Há 1000 pescadores, e daqui para cima; destes pescadores uns ocupam-[se] na pescaria do Rio, uns pescando chocos e lulas, outros os diversos géneros de peixe que vivem no Rio. Os pescadores do Mar, uns ocupam-se na pescaria da pescada, outros na das pailonas, carochos, barrosas e quelmes e outros peixes de couro. E outros na pescaria dos gorazes e cachuchos, e ainda mesmo os do Rio, uns pescam com a redinha, outros com o tresmalho, de forma que aqui há três redinhas e cinco tresmalhos, outros com os covos, outros à linha e com o carrinho, e com a cholrra.

Há 114 embarcações que actualmente andam no mar, fora outras que por falta de pescadores estão na praia. Cada embarcação que vai ao mar leva de 18 até 70 pescadores.

A isca de que usam para a sua pescaria é o choco e a sardinha.

A maior quantidade de peixe que sai nesta costa é, em primeiro lugar, a pescada; depois goraz, cachucho, cavala e diferentes espécies de peixe de couro, como cações, raias, pailonas, carochos, barrosas.

Tem este peixe extração para o Alentejo, Lisboa e Espanha, para onde irá quase metade do peixe que se pesca nesta costa. Vai em fresco para Faro, Tavira, Loulé e outras mais terras vizinhas da costa.

Pagam de dez, dois para Sua Majestade, isto é, de todo o peixe que se consome em fresco, ficando livre de direitos aquele que se salga e seca. Porém, os oficiais da Portagem não deixam de lhe[s] fazer bastantes extorções, inovando costumes que não havia, como pagar dízima dos chocos e lulas e que antes não se praticava.

Tem-se aumentado muito o número dos pescadores e embarcações da pesca há pouco mais de um século; porém dizem os pescadores haver menos pescaria no mar a respeito do que havia algum dia. 

Descreve também as dificuldades na faina marítima:

É um caes de uma extrema necessidade o fazer-se, porque quando são as águas vivas entra a água do rio pela maior parte da aldeia, e estende-se esta mais por uma várzea que fica ao nascente de Olhão vem cercar um poço, e muitas na altura de dois palmos donde os habitantes tiram a água, e entra pela parte do Poente de forma que entra na maior parte das cabanas que estãopara esta parte.

As levas, que todos os anos daqui vão [paral Lisboa, fazem fugir muitos pescadores para Espanha, de forma que presentemente faltam 800 pessoas: uns vão para Espanha pescar, outros vão para Setúbal. 

Grozeiras
 

Há também muitos peixes que rompem os aparelhos. Todos os pescadores do alto pescam à linha no que têm grande trabalho; seria mais conveniente que usassem de redes apropriadas para a pescaria que pretendem fazer, porém a pesca feita com as redes não é apropriada para alguns sítios aonde a costa é pedregosa, porque com as pedras rompem-se as redes.

Nos outros sítios, me disseram os pescadores de Olhão que não podiam usar das redes porque é muito grande a força da água pela rápida corrente que se observava naqueles mares aonde se iam pescar as pescadas, de forma que enquanto uns se ocupam em pescar, outros estão remando por causa do ímpeto da água, e que fazendo já um a experiência com redes, em pouco tempo ficou sem elas, mas não duvido que isto fosse por falta de mestria, porque não pode deixar de haver alguns sítios aonde as redes se possam lançar como acontece no Mar do Norte.

Também os pescadores não procuram esta vantagem, pelas maiores despesas que seriam necessárias fazer com as redes; ainda mesmo os pescadores fazem bastantes despesas com carnada que é de chocos e sardinha, nas linhas, anzóis e farrobas nas encalhas, que são aparelhos por onde se dirige a linha. A falta de cais embaraça que se multiplique a edificação de muitas cabanas.

Salienta, ainda, a carga fiscal imposta:

São aqui os pobres pescadores muito vexados, porque eles pagam de cada casa uns 120 ou 300 reis, pagando por cada vara de terreno 30 ou 40 reis. Os pescadores pagam décima, maneio, sisa, fintas, e muitos ainda pagam dos solos que em outro tempo foram de cabanas que já não existem por terem sido roubadas pelas marés.

Queixam-se também os pescadores que ainda que o peixe seja para salgar, se por acaso não se conserva 48 horas salpicado na mesma terra aonde foi pescado, paga direitos como se fosse consumido em fresco.

Pagam os pescadores uma parte para a Casa do Compromisso, que é uma espécie de Confraria da Senhora da Conceição, e esta se obriga a dar-lhe Botica, Médico e Mortalha; paga também cada morador 200 [réis] ao Pároco e cada embarcação um tanto. Não podem ir à pesca no Dia Santo sem licença da Casa do Compromisso.

Os perigos e a falta de alternativas:

As tempestades que muitas vezes se levantam nestes mares têm sido a causa de terem morrido muitos pescadores; os Piratas são também a causa porque os nossos pescadores não adiantam as suas pescarias a mares mais longínquos, principalmente aqueles que ficam ao sul; há dois anos tomaram uma embarcação com 14 pescadores os Argelinos, e há pouco mais de um ano morreram na costa 18 pescadores.

É frequente a passagem da Baleia na costa de Verão, mas não é este mar tão apropriado para fazer a pesca deste animal como no Brasil, porque aqui entram em uma grande enseada aonde a água tem uma grande altura para elas poderem andar, e depois de entrarem nesta enseada é fácil a pesca das mesmas.

 

Fonte:

Revista de Estudos Marítimos do Algarve - 2015

 

 

Murejona

 

 

 

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