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segunda-feira, 22 de julho de 2024

Olhão e o Corso Magrebino - Séculos XVIII e XIX

No texto "A Pesca em Olhão nos Finais do Século XVIII" é referido que em 1790 os pescadores do Logar de Olhão se queixavam de não poderem fazer outras incursões a mares mais longínquos por força da pirataria cruel e implacável dos Argelinos.

Os piratas magrebinos, essencialmente de Argel e da costa de Marrocos, exerciam a sua atividade em águas mediterrânicas mas alargaram a sua zona de intervenção às costas portuguesas, sendo as águas Algarvias um local de eleição devido ao intenso tráfego marítimo de embarcações de pequena tonelagem, mal protegidas, que  exerciam a sua faina piscatória ou andavam em trânsito para Cádis em busca dos atrativos fretes do transporte de sal espanhol e  do contrabando.

 

 

A situação agravou-se de tal maneira que Jorge Pedro Colaço,cônsul geral de Portugal em Marrocos ,mandou esta informação a todos os mestres das embarcações de pesca que cruzavam os mares do Algarve e do litoral atlântico de Marrocos:

 “(…) se faz precizo que vossas mercês imediatamente que receberem o prezente avizo se retirem destas Costas com prevenção que se algum não o fizer será responsável dos damnos e prejuízos, que possão sobrevir de que se lhe fará formal cargo a seu tempo”

Face aos ataque dos piratas, muitos tripulantes abandonavam as embarcações e cargas, evitando ser feitos prisioneiros. Contudo, muitos foram os que acabaram nas prisões de Argel.

Já em agosto de 1786,Jacques Philippe de Landerset, nomeado por D. Maria I, para negociar o Tratado de Paz com a Regência de Argel, dava conta que:

“Dos argelinos poucas noticias tenho prezentemente, o que me faz julgar que poderão ter passado para o Occeano, e principalmente se for verdadeira a noticia, que me dão do Algarve, de que 8 de Julho aprezarão defronte de Albofeira dois barcos pescadores de Olhão, hum com 16 homens, e outro com 9 (…)”. 

Confirmando, noutro relatório, tratar-se de 

Joze Martins Bayão, commandava hum calão pescador de Olhão, com 15 homens, dos quaes se achão 10 escravos da Regencia, e 5 de particulares. Andava pescando de fronte de Faro quando foy tomado na tarde de 6 de Julho de 1786

e que a tripulação tinha sido feita cativa.

Em Fevereiro de 1787, Landerset enviou para o Reino aLista dos Portugueses, que se achão presentemente Escravos em Argel, e das Embarcaçoens em que vinhão, carga que traziam, e dia em que forão tomadas.”, informação completada com a localização geográfica do aprisionamento de treze embarcações portuguesas pelo corso argelino entre 3 de agosto de 1778 e 6 de julho de 1786. 

 

 


 Das embarcações aprisionadas sabe-se que  seis foram tomadas “defronte de Faro”; duas “defronte de Vila Nova de Portimão”; duas “perto de Málaga”; uma “defronte da Senhora da Rosa, no Algarve”; uma “no Cabo de S. Vicente”; e a última a “35 léguas a Oeste da Costa de Portugal”. Cinco dirigiam-se a Cádis, sendo que quatro iam buscar sal e uma transportava passageiros; uma rumava a Barcelona com alfarroba; duas dirigiam-se a Sevilha com trigo e tabaco; uma transportava vinho de Gibraltar para Málaga; duas andavam pescando; duas tinham zarpado de Lisboa para Salé e Mogador para carregar trigo.

Nos finais do século XVIII , Cádis era um grande porto do Sul de Espanha , um centro comercial e cosmopolita onde coabitavam com os seus naturais gentes das mais diversas nacionalidades: franceses, 2701; italianos, 5048; portugueses, 351; ingleses e irlandeses, 272; alemães e flamengos, 277; hamburgueses, suecos, russos e polacos, 11523.


O ano de 1805 foi terrível para o tráfego de cabotagem do Algarve com a tomada de embarcações e prisioneiros, principalmente nas zonas próximas de Olhão, Lagos, Tavira.



A Coroa Portuguesa levou a cabo nos anos de 1754, 1778 e 1810 o resgate dos prisioneiros resultantes da ação do corso magrebino. Em 1825, aportou a Lisboa o navio com os últimos cativos de Argel.

No resgate de 1778 são referidos 33 pescadores algarvios :Lagos -12, Tavira - 9, Faro -  3, Alvor - 2, Silves -  2, Portimão -  1, Olhão - 1, Alcantarilha - 1, e 2 designados na lista apenas como naturais do Algarve

Sendo as quantias pedidas pelo resgate muito elevadas muitos foram os que se juntaram ao esforço: homens de negócios, Igreja, subscrições públicas.

A Gazeta de Lisboa , 1810, dava conta do valor de um resgate:

“Luiz Francisco de Macedo, que declarou ser para o Resgate de Roque Fernandes, natural de Faro, e na conformidade do aviso da Gazeta de Lisboa de 13 de Agosto, envolvendo a importância de 400.000 réis/metal e cujo beneficiário veio na primeira “conducta”.


O corso de Argel terminou em 1810, depois da assinatura do Tratado e Trégua e Resgate e a libertação de cerca de 615 prisioneiros portugueses.

 

Fonte: 

Os cativos portugueses nos banhos magrebinos (1769-1830) : O Islão, o corso e a geoestratégia no Ocidente Mediterrâneo

de

António Jorge Ferreira Afonso

Tese de Doutoramento

24/03/2017

 

NOTA: "Corsários e piratas, apesar de exercerem ações semelhantes, tinham estatutos diferentes, sendo difícil, por vezes, estabelecer a fronteira entre uns e outros. O pirata era o salteador que atuava geralmente no mar, por conta própria, sem invocar qualquer justificação jurídica nem estar dependente de qualquer
entidade. Já o corsário tinha o seu estatuto legalizado por uma carta de corso ou
de marca, exarada por um rei ou governador, autorizando a prática do corso a
título de represália por danos não reparados.10 Nesta qualidade, o corsário podia
atuar em duas situações distintas: em tempo de guerra, contra os inimigos da
nação que representava; em tempo de paz, contra todos os navios de
determinados países, invocando o direito de represália, que permitia ao agredido
ressarcir-se em qualquer embarcação da nacionalidade do agressor." -
Edite Martins Alberto, 2023.

 

 

 

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