Importante é preservar a memória dos lugares. OLHÃO é a minha Cidade.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Indústria Conserveira

Fábricas de Conservas de Peixe

 
Em 1934, o Consórcio Português das Conservas de Peixe iniciou em Olhão a sua atividade de fiscalização da qualidade da produção. 
 
Nesse ano existiam em Olhão 37 fábricas de conserva em laboração permanente.


 
Na imagem acima está referenciada a localização de algumas dessas fábricas. Guiando-nos pelo saber de Luciano Cativo, aqui se apresenta a lista dessas 37 fábricas. e a sua localização à época.
 
  • ALIANÇA FABRIL, LDA - Rua Manuel Martins Garrocho
  • AUGUSTO BRUNO - Ruas Manuel Tomé Viegas Vaz e Gil Eanes
  • C. M. VIEGAS JÚNIOR (Cristóvão da Rata) - Rua das Lavadeiras
  • DOMINGOS LOURENÇO BAETA - Rua Joaquim Ribeiro
  • EMPRESA DE CONSERVAS "NEREIDA, LDA - Rua 18 de Junho
  • EMPRESA MERCANTIL DE PESCA, LDA -     Largo da Feira (ou Praínhas)
  • ÉTABLISSEMENTS F. DELORY - Avenida 5 de Outubro
  • FIGUEIRA, LDA - Largo da Feira
  • FRANCISCO LOURENÇO CASTELO -Estrada de Pechão e EN125 
  • GIAN BATISTA PARODI - Rua do Caminho de Ferro
  • GIO-BATTA TRABUCCO, LDA -Largo da Feira (ou Prainhas)
  • GUERREIRO & CIA. LDA - Pinheiros de Marim
  • HENRIQUES & CIA. LDA - Avenida 5 de Outubro
  • HONRADO & HONRADO, LDA. - Rua do Caminho de Ferro.
  • J. A. JÚDICE FALHO - Na atual Doca Nova
  • J. A. PACHECO -Na ex-Rua da Majuca (hoje Patrão Joaquim Casaca).
  • J. M. CABEÇADAS & CIA - Avenida 5 de Outubro
  • J. N. PITÉ, LDA - Rua Capitão Nobre
  • J.P. LEONARDO, LDA - Rua Almirante Reis
  • J. REIS SILVA - Estrada Nacional 125
  • LÁZARO & CIA. LDA -       Uma frente para a Rua Gil Eanes e outra para o Largo Moinho do Sobrado.
  • LUCAS& VENTURA, LDA - Rua Almirante Reis
  • MARTINS & PEREIRA, LDA -Rua Dr. António Malafaia Freire Teles, transversal à Avenida Dr. Bernardino da Silva.
  • NICOLO LAZZARA (mais tarde CARLO ILARI) - Horta da Cavalinha.
  • PARCERIA INDUSTRIAL DE CONSERVAS, LDA. -   Rua Ataíde Oliveira
  • QUINTA, LDA - Rua Gil Eanes.
  • RAMIREZ & COMPANHIA – Rua Gil Eanes
  • SANTOS E SIMÕES & CIA, LDA
  • SAIAS, IRMÃOS & CIA, LDA - EN125 (2 fábricas)
  • SARDINHA DO ALGARVE, LDA - Rua Manuel Martins Garrocho
  • SOARES & VIEGAS, LDA. - Rua José F. Leonardo
  • SOC. DE PESCARIAS E CONSERVAS, LDA - Praia do Pedro José
  • CONSERVAS BELO MONTE, LDA. -     Sítio de Belmonte
  • TOMÉ, LDA - Rua Manuel Martins Garrocho
  • UNIÃO INDUSTRIAL, LDA.  - EN 125
  • VASCONCELOS & GUERREIRO, LDA. - Rua Gil Eanes
 
 
Legenda da figura - António Martins
Ainda Olhão e A Indústria das Conservas de Peixe - Luciano Cativo

A Ponte de Quelfes

No dia 18 de junho de 1808 , populares oriundos de Olhão com a ajuda das gentes de Quelfes, confrontaram na Ponte de Quelfes um destacamento de tropas francesas que tinham sido enviadas de Tavira para por fim à revolta olhanense contra o domínio francês.

Esta placa comemorativa marca o evento.

 

 



 

Ponte Velha de Quelfes - Olhão | All About Portugal

domingo, 28 de janeiro de 2024

O Comércio Tradicional

 A CASA GUERREIRO




O Falar Olhanense

 Frases e ditos característicos de Olhão.

 

 


O Alvará Régio

                                    A Villa de Olhão da Restauração

No dia 15 de Novembro de 1808, era registado o Alvará Régio que elevou o Lugar de Olhão a Villa de Olhão da Restauração, como recompensa pela revolta dos Olhanenses contra o invasor napoleónico.
 
 
 
Alvará Régio

Alvará Régio

Alvará Régio

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 

O Brasão de Olhão

 Até 1928

Até este ano, a Câmara Municipal usava  para timbrar os seus papéis  e documentos e como selo, uma composição gráfica,  que pretendia ser a reprodução da Medalha que o Príncipe Regente D. João,futuro D. João VI, concedeu aos habitantes de Olhão, em 1808, após a ida do calque «Bom Sucesso» ao Brasil, para levar ali a boa nova da expulsão dos franceses.   

 

Essa composição gráfica era a seguinte: 

 

- duas circunferências concêntricas, tendo entre elas a legenda «Viva a Restauração e o Príncipe Regente Nosso Senhor 15-11-1808» ; 

 

- no centro do círculo um O ,maiúsculo, extraído da referida Medalha de 1808.

 

 

Medalha




De 1928 a 1945

 

 Em 27 de junho de 1927, Câmara Municipal faz aprovar para futuro uso as Armas e Bandeira.





A sua leitura heráldica é a seguinte: 

 

- De verde, com um leão rompante de ouro quebrando umas algemas de negro. 

 

- Em chefe um O de ouro, acompanhado por duas cabeças, uma debranca coroada de ouro e outra negra com um turbante de prata. 

 

-Coroa mural de prata de quatro torres. 

 

- Por baixo das armas, uma fita vermelha com a inscrição «Vila de Olhão da Restauração», a letras brancas. 

 

- Bandeira amarela cor de Ouro, com um metro de largo . 

 

 

 

Brasão

 

 

 

 

 

De 1945 a 1985

 

 

O Brasão de Armas do Município de Olhão foi alterado pela Portaria Ministerial de 11 de Junho de 1945, publicada no Diário do Governo da 1ª Série, da mesma data.

 

 

Brasão Vila




 

 

A partir de 1985

 

O brasão da cidade desde 14 de Agosto de 1985. 
 
 
 
Brasão atual

 
 
 
Descrição: De verde com um barco de ouro, mastreado e encordoado de negro, vestido de duas velas latinas de prata, realçado de negro e assente em duas faixas ondadas de prata; no chefe leão de ouro quebrando algemas de negro. Coroa mural de prata de cinco torres.
Simbologia: o campo verde para as armas corresponde à água e é do mar que vivem os habitantes de Olhão, assim como foi atravessando o oceano, num pequeno caíque, que muitos se notabilizaram.O leão rompante despedaçando umas algemas representa o esforço praticado pelos habitantes da vila, ao mesmo tempo constitui um exemplo admirável de patriotismo. O leão é uma das figuras mais representativas na heráldica da armaria universal, sendo sempre empregado para simbolizar atos de audácia e valentia.

 


O Compromisso Marítimo



sábado, 27 de janeiro de 2024

Olhão e as suas Lendas - V

 O Mouro Encantado


Olhão – then and now – Becky in Portugal


Na Rua Almirante Reis, antiga Rua de S. Bartolomeu, viveu no século XIX um pescador, de seu nome Manuel Caleça, que contava uma história passada com ele.

 

Tinha os seus oito anos, quando certo dia no final da brincadeira, no jogo da bola. com miúdos da sua idade. ao dirigir-se para casa lhe apareceu um rapaz, alto e bem parecido a propor-lhe brincar com ele.

Acedeu. Mas logo verificou que o desconhecido não se ajeitava no jogo. Ao fazer-lhe reparo, o jovem respondeu-lhe que sabia outros jogos bem mais bonitos, convi-dando a acompanhá-lo. 

 

Colocou o rapazito às suas "cavalitas" e num fechar de olhos estavam na zona do ramal novo - onde hoje se encontra a Escola Dr. Alberto Iria - já fora da vila de então e ao colocá-lo no chão, abriu-se um alçapão por onde desceram os dois. Entraram num lindo palácio guardado por dois monstros e tudo à sua volta era ouro. Ficou tão assustado que começou a chorar. Então o rapaz consolou-o, dizendo que o ia levar para junto dos pais. Invisível, acompanhá-lo-ia por toda a vida, pois era um mouro encantado. 

 

Efetivamente, daí em diante, passou a sentir sempre a presença de alguém

a seu lado. Comia à mesa com ele, dormia com ele; até que um dia a mãe

levou-o à missa, confessando-se e tomando o Senhor. Desde então não

sentiu mais a companhia do mouro encantado. 

 

 

Versão de Conceição Pires 

da lenda descrita por

Ataíde Oliveira (1898)

Olhão e as suas Lendas - IV

 A Moura Floripes



Diz-se que a Floripes, uma infortunada moura encantada, vivia no Moinho do Sobrado, situado na Banda do Levante, num arrabalde do lugar e com caminhos escusos.

Em frente do moinho morava um homem de meia idade, o compadre Zé, o qual constantemente se embriagava. Contava ele aos amigos que à meia noite aparecia a moura Floripes, a fazer-lhe carícias e com ele conversar.

Um dia fez uma aposta com um deles, o Julião, aceitando este ir até lá, por volta da meia noite. Se a moura não aparecesse, o compadre oferecia-lhe uma fazenda que possuía no sítio da Relva, como prenda de casamento - Julião ia casar em breve - caso contrário a oferta ficava sem efeito.

O amigo movido pela ideia de ganhar a prenda e também pela curiosidade de ver a moura, aceitou o desafio.

Pelo caminho tudo o assustava, as pernas tremiam-lhe, tinha medo até da própria sombra. Quando soaram as doze badaladas da meia noite, estava em frente do moinho e, bem assim junto da casa do compadre.

Aguardou um bocado, nada de rumor. Pensou: - Caí nesta do compadre Zé.  Sentou-se numa pedra e quando já nada esperava, viu surgir da porta do moinho uma rapariga, de cabelos loiros compridos e um rosto encantador tapado com um véu. Perguntou-lhe quem era e por que estava ali, ouvindo por resposta: - Sou a moura Floripes, e estou aqui por que quando os da vossa raça conquistaram esta região, na pressa da fuga, os meus familiares não tiveram tempo de me levar no barco e meu pai encantou-me. Prometeu que em breve e numa noite escura o meu namorado me viria buscar. Por isso, de noite tenho sempre os olhos postos no mar para lobrigar algum luzeiro. Como até aqui ele não apareceu, penso que terá naufragado com alguma tempestade.

Julião inquiriu como deveria proceder para a tirar do encanto. Era necessário um homem ferir-lhe o braço do lado do coração e juntamente com ela ir para o Norte de África, atravessar o mar transportando duas velas acesas, e casar após a chegada. 

 

O rapaz ficou triste dizendo-lhe que tinha noiva, o casamento marcado para breve e não iria faltar à promessa. Julião rejeitou a proposta.


A Floripes nunca mais apareceu.


Também se dizia que quando a Floripes ia fazer compras pagava a despesa com uma moeda de ouro e desaparecia sem receber "as voltas"


Versão de Conceição Pires

 

 

Olhão e as suas Lendas - III

 O MENINO DOS OLHOS GRANDES





Em noites escuras, na zona da Barreta, surgia aos pescadores, um robusto menino, com grandes olhos - uns diziam ser pretos, outros ser azuis -em camisinha, de gorro vermelho na cabeça e com um cestinho de vime enfiado no braço. Só chorava e não balbuciava palavra.

Condoídos, os pescadores pegavam-no ao colo, mas o seu peso aumentava de tal forma que, dados alguns passos, desistiam de o auxiliar e intrigados abandonavam-no. Diziam eles que parecia mesmo chumbo...

Muitos anos levou o menino a aparecer, até que, por altura do desaparecimento da moura "Floripes", ninguém mais o viu, admitindo-se ser também um "encanto" e terem ambos partido para o Norte de África.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Olhão e as suas Lendas - II

 A Moura Floripes

 

 

No sítio do Moinho do Sobrado, nas proximidades de Olhão, no mesmo lugar onde hoje existe um armazém pertencente ao sr. Fonseca,havia antigamente uma casa, a cuja janela aparecia, alta noite, uma formosa mulher vestida de branco.

Não obstante ninguém se atrever a passar por ali de noite, havia um sujeito que se embriagava muitas vezes, e então abria a sua porta quase em frente da outra e deitava-se na rua sem receio. A mulher de branco aproximava-se do bêbedo, fazia-lhe meiguices, e até se sentava algumas vezes a seu lado.

Certo indivíduo animoso quis um dia, ou antes uma noite, averiguar este caso extraordinário e para esse fim aproximou-se da mulher e perguntou-lhe quem era.

- Sou a desditosa Floripes, respondeu ela numa expressão triste.

- O que faz por aqui?

- Sou pobre moura encantada. Quando a minha raça foi expulsa da província, viu-se meu pai forçado a sair sem poder prevenir-me. Eu tinha um namorado que também fugiu, e eu aqui fiquei sozinha, esperando a cada momento a vinda de meu pai para me levar consigo. Em uma noite esperava que algum barco mouro aqui chegasse, vi ao longe a luz de uma embarcação. A noite era de tormenta, e a embarcação escangalhou-se de encontro aos rochedos. Não era meu pai que ali vinha: era o meu namorado, que foi engolido pelas ondas. Soube meu pai em África deste funesto acontecimento e vendo que lhe era impossível vir buscar-me, encantou-me de lá, servindo-se dos preceitos aconselhados pelas artes mágicas.

Ficou o homem penalizado desta triste história e logo pensou em pôr às suas ordens os poucos ou muitos serviços, que ele lhe pudesse prestar. Neste intento perguntou-lhe:

- E não há algum meio de a desencantar? 

- Há, há respondeu a moura.

- Que meio?

- É necessário que um homem me dê um abraço, à beira de um rio, e que me fira no braço contíguo ao coração. Logo que isto suceda, irei de pronto para o meu aduar, onde residem os meus parentes. Há, porém, uma dificuldade.

- Que dificuldade? perguntou o sujeito, quase resolvido a fazer as vezes de libertador da moura.

- O homem que me abraçar e me ferir tem de me acompanhar até África.

- Por muito tempo?

- Por toda a vida, respondeu a moura, soluçando. Por isso ainda hoje estou encantada: ninguém se atreve a tanto.

O sujeito ouviu atentamente esta resposta e logo pensou que o sacrifício era realmente muito superior à sua boa vontade. Não quis, porém, desenganar a moura e disse-lhe que ali voltaria em breve.

Não voltou.

E a moura continua no seu encantamento. Ainda não há 10 anos que por ali ninguém passava, porque à hora fatal, à meia noite, aparecia a moura vestida de branco com os seus cabelos de ouro soltos aos ventos.

É formosa a moura, mas o sacrifício exigido de quem a queira desencantar é muito grande.

Já tem sido vista em certas ocasiões, sempre de noite, a conversar com um menino de gorro encarnado e olhos grandes. Este menino tem aparecido a muita gente de Olhão.

Seria o menino algum mouro que ali ficasse também encantado?

Ninguém sabe responder.

E todavia o menino e a moura aparecem muitas vezes, e toda a vila se sente estremecer, quando tem notícia de tal aparecimento.


 Ataíde Oliveira

1898

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Olhão e as suas Lendas - I

 A Lenda de Marim

Quinta de Marim

 

 

 O Abismo Encantado

A Quinta de Marim, propriedade importante, pertencente ao Ex.mo Sr. João Lúcio Pereira, de Olhão, é hoje regada por abundante veio de água que a fertiliza em toda a sua extensão. Em tempos remotos os terrenos desta quinta eram de uma esterilidade pasmosa pois que ali se não encontrava a mais pequena fonte.

Em tempo dos árabes nesta província, era dono daquela propriedade um rico mouro, que morava em um prédio acastelado quase no centro. Tinha ele uma filha formosíssima, o encanto do pai, e o enlevo dos jovens ricos de toda a província.
Em muitas ocasiões tentaram os mancebos mais ricos e poderosos conseguir do velho mouro a mão da filha, mas ele, teimoso e cioso, inventava todos os pretextos para se negar a quaisquer propostas desta natureza. Entre outros havia um mouro, jovem e rico de prendas, que não desistia do seu intento. Além de ser bastante rico, era dotado de excelentes qualidades morais e artísticas: professava em extremo a poesia e era músico habilíssimo. É sabido que nesse tempo Silves era uma das mais importantes sedes, onde se distinguiam nas suas escolas os primeiros poetas sarracenos. Condé, na sua História, menciona muitos poetas e músicos que floresceram, naqueles tempos, entre os mouros. Não era raro ouvir-se, nas belas noites da primavera, defronte das ventanas dos palácios acastelados, onde palpitavam corações femininos, os sons maviosos do alaúde ou da tiorba, acompanhando os belos versos dos mais ricos namorados.
Não via o velho pai da gentil moura com bons olhos os excessos do pretendente à mão de sua filha, e quando à noite ouvia os cantares do mancebo em frente da ventana do quarto da filha, arrepelava-se e enchia- se de desespero. O mesmo não sucedia à moura gentil, que não hesitava erguer-se da cama, a desoras, abrir mansamente a janela do seu quarto, colocar-se ali horas esquecidas enquanto seu amado ali permanecia.

Muitas vezes o velho mouro tentou arrancar do coração da filha o amor que ali imperava, mas debalde: a jovem limitava-se a chorar, quando mais furibundas eram as repreensões paternas.
Vendo ele que por força nada conseguia, encetou outro caminho, fingindo-se condoído. Ordenou que o mancebo fosse chamado à sua presença.
-O que me queres? perguntou o mancebo em presença do velho.
-Sei que amas minha filha...
-Por ela dou a minha vida...
- Livre-me Allah de contrariar as inclinações de duas almas, mas eu fiz um voto...
-Que voto?
- Os meus campos são faltados de água... só concederei a mão de minha filha a quem, em uma só noite, transportar para junto do meu castelo a famosa nascente da Fonte do Canal, a levante...
-Fica muito longe?
- A treze léguas.
O mancebo curvou-se em frente do velho e saiu da sua presença sem dar reposta.
O velho raposo, logo que o mancebo saiu da sua presença, esfregou as mãos e disse consigo:
-Deste estou eu livre.
E na noite desse dia deitou-se descansado na certeza de que não seria despertado do seu sono.
Seria meia noite, acordou o velho a um movimento brusco e repenti-no do seu castelo. Sentou-se na cama e pôs-se a escutar. Momentos depois chegaram aos seus ouvidos as notas diferidas nas cordas de um alaúde e logo os seguintes versos:


Viva Allah; foi meu padre um bom mouro

Moura madre me deu de mamar

Moura fada fadou-me um tesouro

Moura virgem me tem de o entregar


Quando o velho ouviu estes versos e conheceu pelo timbre da voz que o impertinente mancebo não desistia de fazer versos a sua filha, ergueu-se da cama num salto e correu à janela do seu quarto. Em frente da janela do quarto de sua filha presenciou um verdadeiro abismo, de onde jorrava a água numa imponente catadupa, bastante para regar toda a propriedade. Ao lado do abismo e na beira viu o mancebo com o seu alaúde Era o namorado de sua filha com os olhos presos na janela do seu quarto.
Fulo de raiva, mas não ousando violar a palavra dada, correu ao quarto da filha e dirigiu-se para a ventana, onde lá a encontrou. Então pegou nela em peso e atirou-a pela janela sobre o rapaz, que não podendo conservar o equilibrio caiu com o precioso fardo no fundo do abismo.

Não morreram, afirma ainda hoje o povo em seus versos de uma famosa antiguidade, porque muitas pessoas os têm visto sair do abismo à meia noite. Saem sempre com os braços mutuamente cruzados e passeiam pela Quinta, cantando ao som do seu instrumento favorito. Estão ali encantados não porque o velho mouro os encantasse, mas por especial ordem do próprio Allah, que não consentiu que duas almas repletas de amor desaparecessem da face da Terra, onde o egoísmo criou um trono.
-Eo velho mouro?
-Esse está também encantado, responde o povo, mas no próprio castelo. Só sai dali em noites de tormenta, cantando orgulhoso e soberbo:


Eu sou o rei D. Dinis

Serpa, Moura, Mervim fiz
Não fiz mais porque não quis.

Quem dinheiro tiver
Fará o que quiser.


E o povo continua a amar os dois namorados, odiando de morte o temeroso velho.


Ataíde Oliveira

1898

 

Escultura representativa da Lenda de Marim, da autoria de Isa Fernandes.         
Largo da Fábrica Velha, Olhão