Artur Pastor
Antologia Olhanense
Olhão, mancha branca sob céu azul luminoso, é Vila progressiva e trabalhadora, que mantém fisionomia inconfundível, sendo das mais curiosas e surpreendentes localidades portuguesas. Nela domina a singular feição do seu casario, na simplicidade quente e comunicativa das suas 'formas, modeladas pelo povo.
Na verdade, dir-se-ia não estarmos em Portugal, ou então, que a Vila arribou à costa, por mágica determinação. O nosso espírito, empolgado, alvoroça-se na contemplação dum burgo levantino, em cuja arquitectura se patenteia poderoso reflexo da civilização árabe. Olhão encerra um mundo de evocações mouras, vivo e penetrante.
A mais remota referência a esta Vila parece -se em carta datada de 1378, em que D. Fernando deu de foro uma courela de vinha e figueiral, que havia num local designado «olham», próximo de Faro. Nenhuma relação com «olho d'água», onde se procurou encontrar a origem do termo.
Presume-se que, finda a conquista do Algarve, mouros proprietários e mouros pescadores teriam ficado, misturando-se com a população cristã, envolvendo-se com esta nos mistéres da pesca. Assim permaneceria, nos vindouros, a influência moura. Mais tarde, na busca da água potável do Jogar, ao sítio confluíram famílias de numerosos pescadores, cujos lares foram rudimentares cabanas.
Era, esta, uma população sem esperanças, parada, ávida de nova existência. E, a chamá-la, à sua frente, estava constantemente o mar...
As gentes afoitaram-se nas águas, fizeram-se pescadores. Da pesca passaram ao comércio costeiro. Foram mais além. Vieram as rotas de Gibraltar, de Marrocos. Homens aventureiros levaram mercadorias ao Norte de África, e daí trouxeram, sugestionados, presos à tradição, o desejo de repetirem o que seus olhos viram. Tudo era diferente doque conheciam em Portugal.
Olhão progrediu, enriqueceu-se, mas este sentido do novo, do angustioso, do desesperado, manteve-se sempre. No casario permaneceu a luta trágica, e na altura dos mirantes o permanente anseio de ir mais além ...
Artur Pastor
in revista «Portugal ilustrado» de Novembro de 1953