 |
Vista aérea, Largo da Restauração (s/d, s/a) |
DIGRESSÃO AMENA PELA
NOMENCLATURA DAS RUAS DE OLHÃO
Texto de ABILIO GOUVEIA
Dentre
a nomenclatura das duas centenas de artérias que constituem o burgo olhanense,
vamos respigar alguns factos que se afiguram interessantes e que podem servir
de subsídio para quem mais tarde fizer o seu estudo.
Coevo
da nacionalidade, o Olham de antanho, de cristalizantes alicerces
campesinos, atingiu mais tarde tal incremento com a ascendência tomada pela
gente do mar, que hoje se apresenta
como a localidade com maior área
na nossa província.
As
primeiras ruas de Olhão datam do século XVIII e constituem o actual Bairro da Barreta.
Por ordem de antiguidade vem depois o Bairro de Levante e a seguir a
zona compreendida entre os dois aglomerados ribeirinhos, que ficam assim a ter
ligação entre si. Toda a restante construção é relativamente recente,
As
designações das primitivas vias olhanenses, pelo sabor tão popular, tão
próprio, tão olhanense, digamos assim, que emana dos respectivos nomes, sim,
que emana dos respectivos nomes, reflectem bem todo o sentir dos seus
habitantes de então: gente simples, trabalhadora, de elevado espírito
aventureiro e ciosa até mais não da sua liberdade.
Podemos
dividir em quatro fases, as públicas manifestações de actividade homenageante
do município local.
Na
fase inicial, os respectivos letreiros, apenas comportam nomes de moradores
(figuras populares e gente de influência da terra). A seguir, vem nomes de
santos, família real, heróis das campanhas d'África, escritores, etc. A terceira
fase traz-nos a homenagem a vultos republicanos e por fim, na actualidade, a
rectificação de alguns nomes e a homenagem a diversas individualidades,
principalmente locais.
Desde
o modesto pintor Cruz. passando pelo fabricante de velas José da Sapateira, o
construtor naval João da Carma, até ao abastado proprietário José Feliciano
Leonardo, é um desfilar constante de apelidos e alcunhas.
Alguns
nomes de homenageados saíram completos, embora de tamanho desmesurado, como o
do ministro de D. João V, Diogo de Mendonça Côrte-Real. Outros, aparecem-nos
extremamente lacónicos, como os das ruas Dr.Estêvão, Dr.Pádua, a homenagear os
médicos olhanenses Estêvão Afonso e José Maria de Pádua; a Rua Dr. Ataíde, nome
do folclorista Francisco Xavier de Ataíde Oliveira; as ruas Capêlo e Ivens,
exploradores africanos, etc. etc.
Designações
pitorescas, hoje já desaparecidas, e que fazem sorrir pela sua simplicidade,
temos a Travessa do Papa-Arroz, a da Rua do José da Sapateira, a do Bêco do
José Ferreiro (actualmente. Travessa do Patrão Lopes. Rua de Pinheiro Chagas e
Travessa da Soledade), todas respeitantes a alcunhas de figuras populares
residentes nessas artérias e que mostram bem a sem cerimónia com que se
baptisavam as ruas de antanho.
Foram os
habitantes de Olhão que cognominaram as primeiras ruas, em homenagem, nem
sempre justificada, a alguns dos seus moradores. Muitos desses nomes já
desapareceram, mas a maior parte deles ainda subsiste.
De
carácter onomástico, salientamos, nos letreiros já extintos, as Rua da Caramona
da Raça, do Enxarroco, da Rosa Peti, de Manuel Lourenço, de João Pereira
Machado, de Marcos Fernandes, do Salá, dos Padres Machado, Tomás e Vicente,
hoje respectivamente, as Ruas de S. Sebastião, do Dr. Carlos Fuzeta, do
Pacheco, de Alexandre Herculano, de Elias Garcia, do Marquês de Pombal, de João
de Deus, do Patrão Joaquim Lopes, do Dr. João Lúcio, de Ivens e de Alfredo Keil;
o Largo da Cacela, hoje de São João de Deus, a Travessa do Beira actualmente da
Rua Direita; o Beco do Felício, hoje dos Lavadouros, etc.
Ainda subsistem, as ruas do Carolas, do Gaibéu, dos
Micanos, do Pinheiro, da Trindade, de André Pires, dos Arménios, de António
Lopes, do Morgado, de João Francisco; as Travessas do Torrado, do Morais, do
Fonseca, de João dos Santos, da Genebra, do Amâncio, os Becos do Nobre, da
Paixanita, do Júdice, etc.
A designarem construções existentes no próprio local, ou
próximo dele, haviam a Travessa do Poço (actual lado oriental da Rua Diogo de
Mendonça Corte Real), a Rua do Forno, hoje do Dr. António Baptista Delgado, o
Largo da Igreja, presentemente a Praça da Restauração. Existem ainda as Ruas da
Praça, do Compromisso, da Fábrica da Louça, do Matadouro; as Travessas do Arco,
do Moinho, etc, etc.
Como não podia deixar de ser, há sempre lapsos nestas
coisas. Todos eles, porém, podem ser facilmente corrigidos. Registamos alguns
erros:
Há uma artéria em cuja placa se lê: Rua da Cerca de
Ferro, quando o nome correcto é Rua da Cerca do Ferro, apelido do proprietário
da cerca que ali existia. Também há erro no letreiro da Rua Nova da Cruz, cuja
forma correcta é Rua Nova do Cruz, apelido do morador de uma das primeiras
casas que se construíram no local.
Com excepção das duas placas mandadas colocar pela actual
Câmara, homenageando o Dr. Carlos Fuzeta e S. João de Deus e excluindo também
os letreiros mais antigos das ruas da vila, todos os outros, quando se referem
a nomes de Indivíduos, omitem a preposição de. Exemplo: Rua Dr. João Lúcio, Rua
João de Deus, o que é incorrecto, em vez de Rua do Dr. João Lúcio, Rua de João
de Deus, forma correcta.
Há muitos nomes que mereciam ser consagrados publicamente
e que ainda não tiveram essa honra.
Os olhanenses João Lúcio Pereira, João da Rosa, Mendonça
Cortez, Estêvão de Vasconcelos e tantos outros, têm ficado esquecidos. Também é
de toda a Justiça prestar homenagem ao Coronel José Lopes de Sousa, ao Padre
António de Matos Malveiro, ao arqueólogo Estácio da Veiga, etc, etc, que
tiveram o seu nome ligado à nossa terra.
Mais feliz neste pormenor foi o piloto do calque «Bom
Sucesso», que fez a viagem ao Brasil, e que tem o seu nome em duas ruas, a do
Capitão Nobre e a de Manuel de Oliveira Nobre.
O proprietário Gaibeu, também não lhe fica atrás em
açambarcamento. Além de uma rua com o seu nome ainda lhe conseguiram arranjar
mais duas travessas: a do Gaibéu e a do Beco do Gaibeu.
Em contrapartida, a provar a carência de espaço
homenageante temos uma rua com três nomes; Rua de Carlos da Maia, Rua das
Lavadeiras e Rua dos Lavadouros. A artéria que mais designações tem hoje é a actual Rua do Dr. Carlos Fuzeta.
Nada menos de seis nomes já esta tão solicitada via teve a honra de consagrar.
Começou por ser Rua da Cerca, passou depois a denominar-se de José da Beira
(proprietário da cerca anteriormente existente no local), a seguir, foi a Rua
da Ruça (apelido de uma moradora); com a invasão onomástica da família real
passou a designar se Rua da Rainha D. Maria Pia e com o advento do novo regime,
que republicanisou tudo quanto existia do extinto governo, passou a ser a Rua
de Heliodoro Salgado e por fim presta hoje homenagem àquele causídico
olhanense.
A actual Rua Dr. António Baptista Delgado tem a
honra de possuir a casa mais antiga de Olhão. É uma casa de campo, vinda ainda
do tempo em que existia no local uma cerca, da qual era proprietário João
Filipe, que mais tarde deu o nome à rua hoje designada de Luís de Camões. A
referida casa, cuja porta de entrada tem o número 49, foi construída num ponto alto, e com a abertura das ruas que a
rodeiam, houve necessidade de se lha fazer, em frente da fachada para o seu
acesso, uma espécie de pateo com degraus, que ainda hoje existe.
Algumas ruas cujos nomes antigos haviam sido
substituídos, voltaram mais tarde a exibir as designações primitivas. Estão
nestes casos, as ruas de André Pires, que foi episódica- mente do Infante D'
Afonso e a de João Francisco, que chegou a homenagear o Conselheiro Ferreira de
Almeida.
Pelo que tem de intempestivo não são de aconselhar as
substituições de nomes antigos por outros modernos, pois o povo despresa essas
apelações camarárias e continua a adoptar as designações que já conhecia. A Rua
Formosa será sempre conhecida por este nome, embora o mesmo tivesse sido substituído
pelo de Gonçalo Velho, o mesmo se dá com o Largo de S João de Deus, ao qual
ninguém deixará de chamar Largo da Cacela.
É preferível conceder essas homenagens às ruas que se vão
construindo a ter que se sacrificar nomes já de há muito conhecidos.
Uma designação já desaparecida e que devia ser conservada
é a do Pelourinho, cujo significado fez induzir em erro o autor da
Monografia de Olhão. O Pelourinho de que se trata era a cadeia, cujo edifício
ainda hoje existe, na Rua do Gaibeu.
Ataíde, estava convencido que o dito Pelourinho era uma
coluna simbólica que se situaria próximo da igreja matriz e que o povo teria
destruído por considera-lo um emblema de ignomínia.
A antiga Rua do Pelourinho, que depois passou a ser
designada por Rua do Major Caldas Xavier, já não existe. Foi desaparecendo aos
poucos, acabando de todo com o alargamento da Praça do Patrão Joaquim Lopes, em
cuja parte norte se encontrava situada.
A Travessa do Enviado. Outra designação antiga que também
não devia ter desaparecido. O seu nome moderno é Rua de José Feliciano
Leonardo.
Enviado, é um agente diplomático que a título
extraordinário, um governo envia a outro. No nosso caso, deve tratar-se do
Enviado de Inglaterra, que assim se denominava uma via lisbonense, também já
inexistente.
A Rua dos Mercadores é outra denominação que devia
subsistir. É a actual Rua de Teófilo Braga e era ao tempo a artéria onde se
concentravam os estabelecimentos comerciais, a popular rua das lojas.
São nomes ligados à tradição local que deviam continuar a
existir, reservando-se as designações modernas para as novas ruas,
Com a reposição das placas, há poucos anos efectuada,
desapareceram da circulação diversos nomes e houve troca de outros, talvez
devido à pouca atenção das pessoas encarregadas desse trabalho.
Assim, o letreiro da Travessa da Caldeira do Moinho foi
colocado na Travessa da Caldeira, ficando aquela via sem designação, o mesmo
acontecendo à Rua de Manuel Tomé Viegas Vaz, que cedeu o nome à rua da Fábrica
Velha, passando esta artéria à categoria de travessa. A placa da velha Rua do
Salá desapareceu, e em seu lugar foi colocada a da Rua do Patrão Joaquim Lopes.
A travessa do Amâncio, também mudou de lugar, etc. etc.
Há ainda um grande número de ruas cujas placas foram
retiradas e que aguardam a sua reposição.
Estamos convencidos de que na primeira oportunidade todos
estes lapsos serão rectificados e que a nomenclatura das ruas olhanenses será
posta em ordem, como é de aconselhar.
Correio
Olhanense, nº 138, 12-02-1953