A Igreja Pequena
A 1 de fevereiro de 1956, Abílio Gouveia publicou no "Correio Olhanense" este artigo sobre a Igreja da Soledade:
A Igreja da Soledade quando foi fundada?
"Das raras
coisas locais que ainda permanecem envoltas em mistério uma delas é a
data da fundação da Igreja da Soledade.
Nada de
positivo se conseguiu ainda apurar, acerca deste templo, no que respeita à
época da sua construção. Que ele é o mais antigo de Olhão, isso não sofre
qualquer dúvida, bastando a indicação expressa na lápide existente na Igreja
matriz, para disso nos certificarmos.
O pouco que
se sabe de Olhão de
antanho, leva-nos a supor que a ermida da Soledade teria sido fundada no tempo
em que o núcleo populacional local era, na maioria, constituído por gente do
campo, antes, portanto, da fixação, na sua praia, dos pescadores construtores
das cabanas de junco e da Igreja matriz. Daí, as designações de poço de
Olhão e praia de Olhão, para distinguir os sítios onde residiam os
camponeses e os marítimos.
Vêm
corroborar aquela nossa asserção, os nomes das imagens que se veneram na ermida, todos eles, com
excepção do Senhor dos Passos, que veio da outra igreja, de carácter puramente
campesino.
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Altar de São Sebastião,
(256 d.C. – 286 d.C.), mártir e
santo cristão, morto durante a perseguição
levada a cabo pelo imperador romano
Diocleciano.
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Mais tarde,
a ermida teria servido, comunmente, a terrestres e marítimos e estes, cada vez
mais numerosos, quiseram ter um templo seu, erigindo, nos princípios do século
XVIII. a actual igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Somente
por curiosidade, vamos referir-nos a uma notícia que talvez tenha ligação com
o assunto que estava a tratar:
Ataíde
Oliveira, escreveu em 1913, para um número especial do jornal «A Mocidade», de
Faro, um artigo sobre Marim, no qual, a par de coisas que devem ter
visos de verdade, encontra-se muita fantasia à mistura.
No
citado artigo, vêm certas referências a uma capela de Nossa Senhora da
Soledade, que teria sido fundada em terras de Marim por uma senhora, irmã
do cavaleiro Martin Enes, de Lagos, casada com Afonso Madeira, senhor dos
domínios de Marim, no tempo em que reinava em Portugal, D. João I.
Ora,
Olhão desse tempo, fazia parte das terras de Marim, e, como não se conhece nenhuma
igreja ou seus restos, com essa designação, nos nossos arredores, não seria a
dita capela a nossa actual ermida da Soledade, que, depois do primitivo
nome, passou a ser designada pelo de Nossa Senhora do Rosário e mais tarde, com a construção do novo templo,
voltou a manter a sua antiga denominação?
A hipótese é
um tanto ousada, mas à falta de melhor, por carência de elementos para o fazer
ela pode ficar de pé até prova em contrário.
Tem
também de se ter em conta que a contextura actual da ermida da Soledade,
não é a primitiva. O templo deveria ter sofrido grandes estragos com o terramoto
de 1795 e daí, na sua reparação, o não ter sido conservada a primitiva arquitectura
profundamente modificada com a realização das obras feitas ao sabor do tempo.
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Cúpula por cima do presbitério |
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Coro, por cima da porta principal |
A ser assim,
teríamos que remontar aos fins do século XIV a fundação da ermida, isto é,
pouco mais de três séculos antes de ter sido construída a igreja de Nossa Senhora
do Rosário.
A
ermida da Soledade possuía um pequeno cemitério anexo, situado na parte que dá
para a actual rua do Compromisso, no local onde hoje existe uma dependência que
serve de arrecadação do templo. Esse cemitério funcionou até meados do
século XIX, altura em que foi construído o cemitério municipal, sendo
trasladados para lá todos os despojos fúnebres, tanto os daquele cemitério,
como os existentes no largo da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que ao tempo
estava coberto de sepulturas.
No interior da ermida existem
ainda três lápides sepulcrais, remontando a mais antiga delas ao ano de 1810.
A primeira
lápide encontra-se em frente ao altar-mor.
A sua
inscrição é: S. de José Quintino Dias,
1-3-1810.
A segunda, está junto
ao altar de Santa Clara e reza: Aqui jaz Cathrªdo Esptº Stº faleceu a 4 Abril
de 1851.
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Altar de Santa Clara, com seguinte inscrição: Clara! Consolação da Igreja Glória de Itália Remédio dos Povos e Admiração do Mundo Cathólico |
A terceira
encontra-se junto da porta da sacristia, que deita para a nave e diz o
seguinte: aqui jaz. o estudante João Rosendo Júnior que faleceu em 2 de Outubro de 1851.
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Lápide do estudante Rosendo |
Num
testamento de que temos conhecimento, feito em 1833 no tabelião Miguel Elesbão
Monteiro, os testadores Fernando dos
Santos e Teresa de Jesus «Fogueteira», marido e mulher resolveram
escolher, para sua última morada, a Igreja da Soledade.
O referido
documento é muito curioso, pela expressão das últimas vontades dos dois
esposos.
Assim, em recompensa
dos seus corpos serem sepultados na dita igreja, foi esta contemplada, por cada
um deles, com a esmola de mil e duzentos réis, além de dois anéis de ouro,
oferecidos à Senhora da Boa Morte da capela das almas, que está na igreja
matriz, «para que lhe dêm boa morte e os livre dos seus capitais inimigos».
E, «para
descargo das suas consciências e para que limpos de coração pudessem ir gozar
a Eterna Glória para que Deus os criou», pediam para que fossem ditas por alma
deles, dos avós, pais, tios e tias, primos e primas e ao anjo da guarda e santo
e santa de seus nomes, e pelas almas do purgatório, etc. etc, nada menos do
que um total de 700 (!) missas, ao custo de duzentos réis cada uma.
E, «se ainda
lhes ficarem alguns bens, sendo estes de cem mil réis, lhe dirão a confraria de
Nossa Senhora da Soledade, perpetuamente 25 missas e se mais serão as missas
que a dita confraria será obrigada a dizer-lhes todos os anos».
O casal, que
não tinha filhos, deixou a cada um dos seus irmãos a quantia de oitocentos
réis, mas, como estes lhe deviam importância superior, ser-lhes-iam perdoadas
as dívidas com a obrigação de não receberem nada da herança.
Foi mais
feliz a irmã da testadora,
Antónia da Conceição, que herdou da sua mana, um capote e uma saia.
E foi tudo quanto
conseguimos apurar sobre nossa igreja da Soledade."