Importante é preservar a memória dos lugares. OLHÃO é a minha Cidade.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A Toponímia Olhanense



Vista aérea, Largo da Restauração (s/d, s/a)


DIGRESSÃO AMENA PELA NOMENCLATURA DAS RUAS DE OLHÃO


Texto de ABILIO GOUVEIA

Dentre a nomenclatura das duas centenas de artérias que constituem o burgo olhanense, vamos respigar alguns factos que se afiguram interessantes e que podem ser­vir de subsídio para quem mais tarde fizer o seu estudo.

Coevo da nacionalidade, o Olham de antanho, de cristali­zantes alicerces campesinos, atingiu mais tarde tal incremen­to com a ascendência tomada pela gente do mar, que hoje se apresenta   como a  localidade com maior área na nossa pro­víncia.

As primeiras ruas de Olhão datam do século XVIII e cons­tituem o actual Bairro da Bar­reta. Por ordem de antiguidade vem depois o Bairro de Levante e a seguir a zona compreen­dida entre os dois aglomerados ribeirinhos, que ficam assim a ter ligação entre si. Toda a res­tante construção é relativamen­te recente,

As designações das primitivas vias olhanenses, pelo sabor tão popular, tão próprio, tão olhanense, digamos assim, que emana dos respectivos nomes, sim, que emana dos respectivos nomes, reflectem bem todo o sentir dos seus habitantes de então: gente simples, trabalhadora, de elevado espírito aventureiro e ciosa até mais não da sua liberdade.

Podemos dividir em quatro fases, as públicas manifestações de actividade homenageante do município local.

Na fase inicial, os respectivos letreiros, apenas comportam nomes de moradores (figuras populares e gente de influência da terra). A seguir, vem nomes de santos, família real, heróis das campanhas d'África, escritores, etc. A terceira fase traz-nos a homenagem a vultos republicanos e por fim, na actualidade, a rectificação de alguns nomes e a homenagem a diversas individualidades, principalmente locais.

Desde o modesto pintor Cruz. passando pelo fabricante de velas José da Sapateira, o construtor naval João da Carma, até ao abastado proprietário José Feliciano Leonardo, é um desfilar constante de apelidos e alcunhas.

Alguns nomes de homenageados saíram completos, embora de tamanho desmesurado, como o do ministro de D. João V, Diogo de Mendonça Côrte-Real. Outros, aparecem-nos extremamente lacónicos, como os das ruas Dr.Estêvão, Dr.Pádua, a homenagear os médicos olhanenses Estêvão Afonso e José Maria de Pádua; a Rua Dr. Ataíde, nome do folclorista Francisco Xavier de Ataíde Oliveira; as ruas Capêlo e Ivens, exploradores africanos, etc. etc.

Designações pitorescas, hoje já desaparecidas, e que fazem sorrir pela sua simplicidade, temos a Travessa do Papa-Arroz, a da Rua do José da Sapateira, a do Bêco do José Ferreiro (actualmente. Travessa do Patrão Lopes. Rua de Pinheiro Chagas e Travessa da Soledade), todas respeitantes a alcunhas de figuras populares residentes nessas artérias e que mostram bem a sem cerimónia com que se baptisavam as ruas de antanho.

Foram os habitantes de Olhão que cognominaram as primeiras ruas, em homenagem, nem sempre justificada, a alguns dos seus moradores. Muitos desses nomes já desapareceram, mas a maior parte deles ainda subsiste.

De carácter onomástico, salientamos, nos letreiros já extintos, as Rua da Caramona da Raça, do Enxarroco, da Rosa Peti, de Manuel Lourenço, de João Pereira Machado, de Marcos Fernandes, do Salá, dos Padres Machado, Tomás e Vicente, hoje respectivamente, as Ruas de S. Sebastião, do Dr. Carlos Fuzeta, do Pacheco, de Alexandre Herculano, de Elias Garcia, do Marquês de Pombal, de João de Deus, do Patrão Joaquim Lopes, do Dr. João Lúcio, de Ivens e de Alfredo Keil; o Largo da Cacela, hoje de São João de Deus, a Travessa do Beira actualmente da Rua Direita; o Beco do Felício, hoje dos Lavadouros, etc.

              Ainda subsistem, as ruas do Carolas, do Gaibéu, dos Micanos, do Pinheiro, da Trindade, de André Pires, dos Arménios, de António Lopes, do Morgado, de João Francisco; as Travessas do Torrado, do Morais, do Fonseca, de João dos Santos, da Genebra, do Amâncio, os Becos do Nobre, da Paixanita, do Júdice, etc.

            A designarem construções existentes no próprio local, ou próximo dele, haviam a Travessa do Poço (actual lado oriental da Rua Diogo de Mendonça Corte Real), a Rua do Forno, hoje do Dr. António Baptista Delgado, o Largo da Igreja, presentemente a Praça da Restauração. Existem ainda as Ruas da Praça, do Compromisso, da Fábrica da Louça, do Matadouro; as Travessas do Arco, do Moinho, etc, etc.

            Como não podia deixar de ser, há sempre lapsos nestas coisas. Todos eles, porém, podem ser facilmente corrigidos. Registamos alguns erros:

            Há uma artéria em cuja placa se lê: Rua da Cerca de Ferro, quando o nome correcto é Rua da Cerca do Ferro, apelido do proprietário da cerca que ali existia. Também há erro no letreiro da Rua Nova da Cruz, cuja forma correcta é Rua Nova do Cruz, apelido do morador de uma das primeiras casas que se construíram no local.

            Com excepção das duas placas mandadas colocar pela actual Câmara, homenageando o Dr. Carlos Fuzeta e S. João de Deus e excluindo também os letreiros mais antigos das ruas da vila, todos os outros, quando se referem a nomes de Indivíduos, omitem a preposição de. Exemplo: Rua Dr. João Lúcio, Rua João de Deus, o que é incorrecto, em vez de Rua do Dr. João Lúcio, Rua de João de Deus, forma correcta.

            Há muitos nomes que mereciam ser consagrados publicamente e que ainda não tiveram essa honra.

            Os olhanenses João Lúcio Pereira, João da Rosa, Mendonça Cortez, Estêvão de Vasconcelos e tantos outros, têm ficado esquecidos. Também é de toda a Justiça prestar homenagem ao Coronel José Lopes de Sousa, ao Padre António de Matos Malveiro, ao arqueólogo Estácio da Veiga, etc, etc, que tiveram o seu nome ligado à nossa terra.

            Mais feliz neste pormenor foi o piloto do calque «Bom Sucesso», que fez a viagem ao Brasil, e que tem o seu nome em duas ruas, a do Capitão Nobre e a de Manuel de Oliveira Nobre.

            O proprietário Gaibeu, também não lhe fica atrás em açambarcamento. Além de uma rua com o seu nome ainda lhe conseguiram arranjar mais duas travessas: a do Gaibéu e a do Beco do Gaibeu.

            Em contrapartida, a provar a carência de espaço homenageante temos uma rua com três nomes; Rua de Carlos da Maia, Rua das Lavadeiras e Rua dos Lavadouros. A artéria que mais designações  tem hoje é a actual Rua do Dr. Carlos Fuzeta. Nada menos de seis nomes já esta tão solicitada via teve a honra de consagrar. Começou por ser Rua da Cerca, passou depois a denominar-se de José da Beira (proprietário da cerca anteriormente existente no local), a seguir, foi a Rua da Ruça (apelido de uma moradora); com a invasão onomástica da família real passou a designar se Rua da Rainha D. Maria Pia e com o advento do novo regime, que republicanisou tudo quanto existia do extinto governo, passou a ser a Rua de Heliodoro Salgado e por fim presta hoje homenagem àquele causídico olhanense.

                 A actual Rua Dr. António Baptista Delgado tem a honra de possuir a casa mais antiga de Olhão. É uma casa de campo, vinda ainda do tempo em que existia no local uma cerca, da qual era proprietário João Filipe, que mais tarde deu o nome à rua hoje designada de Luís de Camões. A referida casa, cuja porta de entrada tem o número 49, foi construída num  ponto alto, e com a abertura das ruas que a rodeiam, houve necessidade de se lha fazer, em frente da fachada para o seu acesso, uma espécie de pateo com degraus, que ainda hoje existe.

            Algumas ruas cujos nomes antigos haviam sido substituídos, voltaram mais tarde a exibir as designações primitivas. Estão nestes casos, as ruas de André Pires, que foi episódica- mente do Infante D' Afonso e a de João Francisco, que chegou a homenagear o Conselheiro Ferreira de Almeida.

            Pelo que tem de intempestivo não são de aconselhar as substituições de nomes antigos por outros modernos, pois o povo despresa essas apelações camarárias e continua a adoptar as designações que já conhecia. A Rua Formosa será sempre conhecida por este nome, embora o mesmo tivesse sido substituído pelo de Gonçalo Velho, o mesmo se dá com o Largo de S João de Deus, ao qual ninguém deixará de chamar Largo da Cacela.

            É preferível conceder essas homenagens às ruas que se vão construindo a ter que se sacrificar nomes já de há muito conhecidos.

            Uma designação já desaparecida e que devia ser conservada é a do Pelourinho, cujo significado fez induzir em erro o autor da Monografia de Olhão. O Pelourinho de que se trata era a cadeia, cujo edifício ainda hoje existe, na Rua do Gaibeu.

            Ataíde, estava convencido que o dito Pelourinho era uma coluna simbólica que se situaria próximo da igreja matriz e que o povo teria destruído por considera-lo um emblema de ignomínia.  

            A antiga Rua do Pelourinho, que depois passou a ser designada por Rua do Major Caldas Xavier, já não existe. Foi desaparecendo aos poucos, acabando de todo com o alargamento da Praça do Patrão Joaquim Lopes, em cuja parte norte se encontrava situada.

            A Travessa do Enviado. Outra designação antiga que também não devia ter desaparecido. O seu nome moderno é Rua de José Feliciano Leonardo.

            Enviado, é um agente diplomático que a título extraordinário, um governo envia a outro. No nosso caso, deve tratar-se do Enviado de Inglaterra, que assim se denominava uma via lisbonense, também já inexistente.      

            A Rua dos Mercadores é outra denominação que devia subsistir. É a actual Rua de Teófilo Braga e era ao tempo a artéria onde se concentravam os estabelecimentos comerciais, a popular rua das lojas.

          São nomes ligados à tradição local que deviam continuar a existir, reservando-se as designações modernas para as novas ruas,

          Com a reposição das placas, há poucos anos efectuada, desapareceram da circulação diversos nomes e houve troca de outros, talvez devido à pouca atenção das pessoas encarregadas desse trabalho.

            Assim, o letreiro da Travessa da Caldeira do Moinho foi colocado na Travessa da Caldeira, ficando aquela via sem designação, o mesmo acontecendo à Rua de Manuel Tomé Viegas Vaz, que cedeu o nome à rua da Fábrica Velha, passando esta artéria à categoria de travessa. A placa da velha Rua do Salá desapareceu, e em seu lugar foi colocada a da Rua do Patrão Joaquim Lopes. A travessa do Amâncio, também mudou de lugar, etc. etc.

            Há ainda um grande número de ruas cujas placas foram retiradas e que aguardam a sua reposição.

            Estamos convencidos de que na primeira oportunidade todos estes lapsos serão rectificados e que a nomenclatura das ruas olhanenses será posta em ordem, como é de aconselhar.

Correio Olhanense, nº 138, 12-02-1953