Importante é preservar a memória dos lugares. OLHÃO é a minha Cidade.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Rua 18 de Junho




O aumento da população e o desenvolvimento económico de vila de Olhão, entre os finais do século XVIII  e a primeira metade do século XIXdeterminaram a progressiva urbanização dos terrenos das hortas e das cercas que a rodeavam.


O caminho do Alto do Pau Bolado (ou Alto do Barro Vermelho), que bordejava a Cerca da Fábrica da Igreja, a  Cerca do Ferro e a Horta do Júdice, constituiu desde logo uma das entradas importantes da vila por ser uma área relativamente distante dos sapais, e portanto seca em qualquer altura do ano.
A construção do cemitério em 1853 no seu limite norte acrescenta-lhe tal importância que, sobre o seu traçado primitivo será construído, na década seguinte, um ramal de ligação com a Estrada Faro-Tavira. 

Entrada na Rua 18 de Junho, pela EN125


Placa toponímica existente na casa da fotografia anterior

Em 1887, 49 fogos tinham como morada o Campo do Cemitério.
No início do século XX , em 1903, chega a Olhão a construção da via férrea e junto ao cemitério é construído um viaduto.



Já com o nome que se perpetuou no tempo, 18 de Junho, a rua via nascer o cine-teatro Salão Apolo, em 1915.

 
Salão Apolo, à direita na fotografia, no início da Rua 18 de Junho

Artéria muito movimentada, foi sempre abundante de comércio e indústria:

Escritórios e oficinas da Empresa Rodoviária do Sotavento do Algarve, 1968

Hotel Caíque, anos 70
 
O segundo edifício ruiu integralmente em 2017 (fotografia de Lénia Medina)
 
 Ilustrando bem a sua importância, casas com bonitas fachadas:













  O Arquivo Histórico Municipal Rosa Mendes tem as suas instalações na Rua 18 de Junho:



Topónimo 18 de Junho: Assinala o dia da vitória dos olhanenses contra as tropas francesas, no sítio da Meia-Légua.

Fontes:
Sandra Romba, Evolução Urbana de Olhão
Antero Nobre, Breve História de Olhão
Rol de Confessados, 1887
Fotografias da net
Fotografias da autora

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Uma Procissão Na Semana Santa

As comemorações litúrgicas da Semana Santa sempre foram do agrado da população olhanense, sendo o seu ponto alto as procissões do Senhor dos Passos e do Senhor Morto, expressões máximas da Fé e da Compaixão.
Muitos desses eventos deram origem a situações caricatas que, nada tendo a ver com a religiosidade, demonstravam bem a têmpera do povo.

Em meados dos anos 30, aconteceu ter havido uma explosão numa oficina de pirotecnia em Moncarapacho, com o custo de algumas vidas humanas e logo correu o boato que se estavam a fazer bombas para atentar contra Salazar e atirar nas procissões. 

Recordamos aqui o relato da preparação de uma procissão do Senhor dos Passos nos anos 30, que poderia ter descambado em tragédia precisamente pela força do boato e do alarido.




Foi na procissão do Senhor dos Passos. [...]O andor é arranjado na Igreja da Soledade, (igreja pequena) onde está a imagem todo o ano.
Na véspera à noite, sábado, portanto, o andor vai da igreja pequena para a grande, onde se realizam no dia seguinte todas as solenidades religiosas. [...]
O cortejo saiu da Igreja da Soledade com o Guião à frente, como sempre. 

 
Rua da Soledade, atualmente Rua Capitão João Carlos Mendonça

Desce a rua do mesmo nome e, quando chega ao pequeno largo que dá entrada à Rua Miguel Bombarda, que nós chamávamos o larguinho do Arroja, em vez de voltar à direita, que é o curso normal das procissões, vira à esquerda e vai pelo Largo da Lagoa, hoje Largo do Município, entra na Rua do Comércio, na parte mais larga desta rua. 

Largo Sebastião Mestre, o Larguinho do Arroja

Quando chega aí, um "mandão" da procissão, de opa vestida encosta-se de costas à parte da frente do andor e de braços abertos grita: - «Velinhas da vante e velinhas de ré, parem aí. Agora siguem este reguêro».
Referia-se àquele estreito canal que a Rua do Comércio tem no meio do seu pavimento.


Rua do Comércio

A procissão, depois de ouvir a ordem dada, seguiu como lhe foi indicado.[...]
A Igreja e a Rua do Comércio estava cheia de gente. No largo da igreja estavam muitos "esperantes" da procissão, nem faltava o Claudino com a sua tômbola de venda de amêndoas e a sua algazarra... «dez números por dez tostões... paga agora ou paga já... "é o 12"... aqui tem o seu cartucho de amêndoas... parabéns ao feliz...».
A um canto do largo também não faltava o Ti Cassiano na venda dos seus docinhos vermelhos de açúcar com licor dentro... era a "garrafinha"... a "chave" e o "menino da bolotinha". Tão bons que eram... cinco tostões cada um.
A procissão continuava na sua marcha lenta pela Rua do Comércio e quando ela já estava no princípio do último troço da rua, há uma grande balbúrdia na procissão e nas pessoas que assistiam à sua passagem.
Eu vinha atrás da filarmónica e nem toda ela tinha passado o "cotovelo" da Rua do Comércio, quando, inesperadamente, vejo os músicos, ainda do meu lado, voltarem-se ao contrário ao sentido da marcha e, bem agarrados aos instrumentos fugiam e gritavam: "fujam... fujam..." e não diziam mais nada, dando "às de Vila Diogo".
Eu ia apanhando com um tuba (contrabaixo) na cabeça. Nisto, vem o pálio com o padre Machadinho acaçapado debaixo dele e a esbracejar. Os homens das lanternas que o ladeavam traziam-nas em riste, como que a quererem lutar com a multidão que ia fugindo também, ou caindo no chão formando um muro alto. 




O andor retrocedeu e colocou-se no vértice do ângulo que a rua ali forma. Gente caía, gente desmaiava. Foi um pandemónio.[...]


A onda do medo chegou até à igreja e as pessoas que lá estavam alvoroçaram-se sem saber porquê, a ponto do Dr. Delgado vir à porta da sacristia admoestá-las para estarem quietas senão que lhes apagaria a luz da igreja, e fê-lo. O alvoroço foi maior na escuridão e quem pôde sair, saiu e pôs-se a salvo.

Até na Avenida havia gente que corria para todos os lados e contava, a seu modo e com muitos pontos de acréscimo, uma "tragédia" que não tinha visto.




Três quartos de hora depois, nem tanto, a procissão organizava-se e seguia mais serena o seu caminho até à igreja . [...]

Na Rua do Comércio, mais ou menos junto da entrada para a Rua Mousinho de Albuquerque (travessinha do Cimento) o Guião, que era alto, bateu num fio telefónico e partiu-se. Este solto, tocou nuns fios de condução de energia eléctrica sem isolamento e faiscou no contacto. Uma mulher que estava próximo gritou "fujam que são bombas". Foi o suficiente.
    O rescaldo desta "tragédia" teve o não sei de cómico e de sério.
Era ver-se mulheres com um sapato calçado, procurando o outro. Outras, sem os dois sapatos, outras desgrenhadas e sujas, porque tinham andado pelo chão, outras sentadas às portas a recomporem-se de desmaios e outras ainda que procuravam os seus meninos, perdidos delas.

Enfim, tudo passou e tudo serenou. Isto deu-se há 60 anos.


José Barbosa, Visto e ouvido em Olhão...Reflexões, 1993