Importante é preservar a memória dos lugares. OLHÃO é a minha Cidade.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

As Primeiras Ruas

A Evolução da Área Urbana de Olhão

A praia do Olhão foi povoada desde o início por pescadores [...] que se deslocavam periodicamente a este lugar para exercerem a atividade da pesca.
A descrição que Frei João de S. José faz do Reino do Algarve no ano de 1577 é um bom ponto de partida para entendermos o que eram essas ocupações sazonais. Diz respeito à pescaria do Atum que sucedia também noutras praias do Algarve: “Acode a ela grande soma de pescadores de todo o Algarve com suas mulheres, filhos e outra chusma e fazem suas cabanas por toda a costa, onde estão as armações e continuamente acode a eles toda a gente comarcã a lhe trazer todo o mantimento".
Para a progressiva fixação da população terão contribuído fatores diversos, tais como a existência de uma fonte de água potável e fatores de ordem fiscal. A pequena comunidade estabeleceu-se definitivamente na praia. As cabanas deixaram de ser uma residência sazonal e passaram a ser uma residência fixa, [...] a partir de finais do séc. XVI e início do séc. XVII. 
[...] Em 11 de Junho de 1695 o lugar de Olhão passou a freguesia por provisão do Bispo do Algarve, D. Simão da Gama, na qual ficaram a pertencer “todos os moradores que atualmente são e ao diante forem na dita praia do Olhão”, bem como os dois moinhos, um a levante e outro a poente. Três anos passados após a criação da freguesia iniciou-se a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. A primeira pedra foi solenemente depositada a 4 de Junho de 1698 e em 1715 com as obras por concluir, a Igreja abriu ao culto. O edifício estava situado na extremidade norte do povoado, num amplo terreiro que no século XVIII assumia importância de principal praça da povoação.
A par desta inauguração, ainda em 1715, outro acontecimento provocou uma verdadeira transformação urbana na praia do Olhão, fundamental para a sua expansão. João Pereira, de profissão mareante, requereu à Rainha autorização para construção de uma morada de casas, alegando como causa primeira os incêndios que ocorriam na praia. Este fenómeno estava também relacionado com a existência de um número considerável de cabanas construídas com colmo e outros materiais facilmente inflamáveis. São cerca de trinta requerimentos de moradores na praia do Olhão feitos à Rainha, para autorização de construção de casas entre os anos de 1715 a 1740. 

Em 1722 houve a necessidade de se proceder a uma nova demarcação da freguesia, a qual se expandiria para noroeste, norte e nordeste em direcção às hortas e às cercas e cujos limites aumentavam grandemente.“Além do Vigário Geral do Bispado, que era então o Dr. Manuel de Souza Teixeira, assistiram também à segunda demarcação da área da freguesia do Olhão, em 1722, os Padres Dr. José da Silva Maciel, Francisco Ribeiro e Manuel Gomes Correia, respectivamente párocos de Pechão, Quelfes e Olhão, e ainda o Escrivão da Câmara Eclesiástica, que lavrou o respectivo termo. [...] : “Deitando uma linha direita desde o moinho da parte do Levante, que hoje possuem Manuel Viegas da Baixa-mar, António Mendes Mestre e outros até um cabeço que fica por cima do poço d’esse lugar, onde se pôs um marco; e dali outra linha direita até à porta de Manuel Machado, e desta parte outra linha direita até ao monte de Bartholomeu Martins, ficando dentro deste círculo o dito monte, como a dita horta e o dito poço, e os ditos dois moinhos de que faz menção a Visita, como também outro moinho que é de Manuel Ribeiro de Miranda e do dito Manuel Machado, e todos os moradores da praia; pertencendo tudo o que fica fora do círculo a Pechão e a Quelfes, com exceção da casa da dita Brites Gonçalves, desabitada agora, mas que pode ser de futuro habitada a qual, embora esteja fora do círculo, ficará pertencendo à Freguesia do Olhão. Entre 1780 e 1790 as últimas cabanas teriam desaparecido.
Sandra Romba, A Evolução Urbana de Olhão

 Quando, em 15 de Novembro de 1808, foi elevado à categoria de Vila [...], o Lugar do Olhão era ainda, sob os aspectos urbanístico e social, uma localidade de relativamente pequena importância, embora fosse já uma das mais populosas e economicamente mais desafogadas aldeias algarvias, ou mesmo de Portugal, e também já desfrutasse de certa fama, não só em todo o Algarve, mas também em outras regiões do País.
Com efeito, a área urbana de Olhão era então bastante limitada. Reduzia-se praticamente ao actual bairro velho da Barreta (a Poente), que a tradição dizia ter sido o núcleo inicial da povoação; à parte mais antiga do que é hoje o bairro do Levante (a Nascente); e ao pequeno aglomerado intermédio (a Sul), a que chamavam bairro do Pelourinho por ali ficar a cadeia local (V. Nota A). E terminava (a Norte) nas Cabanas de S. Bartolomeu, situadas no extremo da então bem pequena rua do mesmo nome (o troço sul da actual Rua Almirante Reis, até por alturas dos actuais Largo de João de Deus e Largo de S. João de Deus), e nos adros ou terreiros anterior e posterior da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, aquela que o povo conhece principalmente por Igreja Grande.

O primeiro desses adros ou terreiros (o Largo da Restauração dos nossos dias) confinava então por uma das faces (a do Norte) com um campo de figueiras e amendoeiras, restos de antiga horta (V. Nota B), da qual ainda hoje ali existe a casa que teria sido do proprietário ou do caseiro. E o segundo (o actual Jardim Dr. João Lúcio e o primeiro troço da actual Avenida da República), que servia de Campo da Feira, estendia-se apenas, para um lado (Sul), até às Cabanas das Lavadeiras (situadas mais ou menos onde fica presentemente o troço médio da rua que teve o mesmo nome e hoje se chama de Carlos da Maia) e por outro lado (Nascente) até uma zona pelo povo denominada Os Charcos (que começava, mais ou menos, por alturas do actual cruzamento da Rua Diogo de Mendonça Corte Real, antiga Rua dos Murraceiros, com a Avenida da República). Entre as Cabanas de S. Bartolomeu e o Campo da Feira só havia (pelo Norte e pelo Noroeste) algumas cercas e hortas e uma azinhaga, esta que de certo modo ligava aqueles e anos mais tarde viria a ser a Rua Nova da Cerca (a actual Rua da Cerca).


                         Antero Nobre, Breve História de Olhão



 

A Igreja Pequena (I)

A Capela da Nossa Senhora da Soledade - Igreja Pequena




A Capela de Nossa Senhora do Rosário que, como se diz no texto, é a que ainda hoje existe sob a invocação de Nossa Senhora da Soledade e o povo designa por Igreja Pequena, foi a primeira Igreja Paroquial de Olhão; a actual invocação foi-lhe dada exactamente quando se construiu e abriu ao culto a nova Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Rosário, que o povo designa por Igreja Grande. 
Não se sabe ao certo quando aquela Capela foi edificada; mas não há dúvida nenhuma de que foi o primeiro edifício de alvenaria, ou de pedra e cal como lá se diz ainda hoje, construído em Olhão, pois na altura em que da sua existência temos a mais antiga notícia, ainda ali só havia, além dela, simples «cabanas de cana cobertas de palha». O Cónego José Cabrita, da Sé de Faro, já citado em nota anterior, num dos seus artigos publicados no semanário «Correio do Sul», daquela cidade, afirma ter encontrado referências à existência de tal Capela nas visitações da primeira década do século XVII, portanto entre 1600 e 1610, quando o Lugar do Olhão pertencia já à Freguesia de S. Pedro de Faro; e J. Fernandes Mascarenhas encontrou, e publicou num dos seus trabalhos, um documento da Freguesia de Quelfes que prova a existência da mesma Capela em 1614. Por outro lado, Ataíde de Oliveira, em artigo não documentado, pois nele nem sequer se diz de onde lhe veio a informação, publicado em 1913 no jornal farense «A Mocidade», afirma que, uma senhora, cujo nome não indica, mas disse ser irmã de Martim Enes de Lagos e esposa do fidalgo Afonso Madeira, este que teria sido muito dedicado à causa do Mestre de Avis, depois D. João I, fundou «em terras de Marim» uma Capela de Nossa Senhora da Soledade; e tal afirmação, aliada à circunstância de não haver notícia, nem quaisquer vestígios, de outra Capela ou Igreja em toda a área de Marim, levou Abílio Gouveia, em 1976 e num dos seus valiosos artigos publicados em «A Voz de Olhão», a considerar que se tratava exactamente da Igreja Pequena de Olhão e ter sido esta construída, portanto, no século XIV. Não é inverosímil que assim tivesse sido, visto que, pelo menos no último quartel daquele século, como mostra a carta régia de D. Fernando, referida na nota anterior, já o sítio onde se encontra a Capela tinha habitantes; só é de estranhar, e muito, que sendo tal sítio já então comummente distinguido dos sítios vizinhos e conhecido por Logo do Olham, ao ponto de assim ser designado numa carta régia, ainda nessa altura se fale de construção de uma Capela «em terras de Marim» e não «em terras do Logo do Olham»... 


E como complemento desta nota, diga-se desde já que o aspecto actual da Igreja Pequena é bastante diferente do primitivo, pois a sua fábrica sofreu grandes danos por ocasião do terramoto de 1 de Novembro de 1755 e na reconstrução foi modificada, pelo menos, a sua traça exterior; e mais tarde, para regularização da rua que lhe fica contígua e ainda hoje se chama Rua do Compromisso, foram suprimidos: um pequeno cemitério que ficava junto da Capela e devia ser resto do primitivo adro, onde foram sepultados, como era uso nesse tempo, os primeiros mortos olhanenses; e um também pequeno anexo da Capela, onde se expunha, em nicho envidraçado, a imagem de Nosso Senhor Jesus dos Passos, muito venerada pelos marítimos olhanenses desde tempos imemoriais.

Breve História de Olhão, Antero Nobre